Por Heloisa Jahn
Paulo Lins tem a capacidade única de mostrar o universo da população pobre do Rio de Janeiro com uma linguagem cândida — porque a lente que utiliza para focalizar seus personagens é a de quem conhece bem a pobreza e o preconceito e sabe quão humanos somos todos, por mais que variem as tintas que nos pintam ou as vidas que levamos.
Lulu e Dudu são irmãos. Moram em Queimados, na Baixada Fluminense, a 50 quilômetros do Rio. Lugar quente, empoeirado, de muita pobreza e violência frequente. Os dois meninos querem arrumar namorada. Sobretudo, querem beijar na boca. Ora, lugar de encontrar namorada é o baile funk. Mas precisa ir bonito, de tênis colorido, de marca, pra impressionar. E pra comprar o tênis precisa de dinheiro. Balinha no trem que leva ao Rio, Mentex na porta do cinema, flanelinha no sinal. São as frestas que eles encontram, numa sociedade blindada para adolescentes pobres.
Aliás, para adultos pobres também. O dinheiro dos pais mal dá para a dieta da casa: salsicha, macarrão com massa de tomate, farinha, bananada. A mãe é faxineira, o pai faz bicos — quando encontra. Também para eles, o mundo está fechado; também eles se submetem às oportunidades que aparecem para manter a família, toureando as dívidas. Em Queimados, no Rio — em Copacabana e no Leblon, na favela e no asfalto –, Lulu e Dudu sabem que a carência e a brutalidade estão presentes em tudo o que ocorre, limitando suas vidas como uma luva de aço.
Falando de Lima Barreto, o escritor João Antônio escreveu, na introdução de um livro de crônicas do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma: «Há escritores atrás, e mesmo ao lado, dos quais logo se vê, de pronto, um povo — com suas caras, roupas, cheiros, as maneiras todas de ser». Paulo Lins é um desses escritores. Conta histórias que lembram contos de fadas, embora nelas as palavras duras tenham livre trânsito e não seja impossível aparecer uma metralhadora na mão de um duende, assim como há armas nas mãos dos ogros e dos gigantes comedores de crianças.